quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Os pequenos prazeres da vida (baseado em fatos reais)

Os pequenos prazeres da vida nós só percebemos quando sentimos, o cheiro gostoso do café da avó lá no sítio, a expressão de felicidade do filho ao ganhar o presente tão esperado, o resultado triunfante de semanas a fio de um determinado trabalho, a sensação de alívio de uma dor de barriga crônica. É sobre esse último que vou vos falar.

Estava eu, tarde da noite, voltando para casa, quando de onde não sei, senti aquele desconforto familiar entre o intestino delgado e o esfíncter. Pensei comigo mesmo: Merda! Naquela hora o centro da cidade todos os estabelecimentos comerciais já haviam fechado. Tinha acabado de chamar um táxi, mas imediatamente lembrei da situação que poderia ficar o banco do carro do rapaz, caso viesse a me sentar. Foi aí que senti o primeiro arrepio!

O primeiro arrepio é aquele em que você reza e evoca todos os santos por um banheiro, mesmo que você não creia em santos. Novamente olhei para os lados para me certificar que realmente não havia por ali um banheiro, na esperança que a minha agonia estivesse me pregando uma peça. Mas nada! Rapidamente me pus a pensar se poderia haver ali por perto a casa de alguma alma caridosa conhecida afim de ajudar um pobre desesperado. Ao fechar os olhos para pensar melhor, senti um pingo escorrendo...era o suor, que já começava a descer pela testa, daí veio o segundo arrepio! Nesse segundo arrepio, você esquece todas as suas religiosidades e parte para o inevitável palavrão: puta-que-o-pariu! É o mais indicado nessa situação.

Ajudado pelo desespero, imediatamente lembre-me de uma farmácia 24 horas que ficava há algumas quadras dali. Seguindo mais a intuição que o raciocínio, caminhei a passos largos em direção a farmácia, numa mistura de ânimo e angústia que só um atleta paulista prestes a ser o primeiro a cruzar a linha de chegada na corrida de São Silvestre, ou a seleção brasileira na copa de 2014 cobrando o último pênalti contra a seleção argentina poderia descrever. Logicamente acelerando-se o passo, acelera-se o metabolismo, e foi aí que aconteceu o terceiro arrepio! Este que é a sentença de morte, o triste fim, não tenho certeza se existe vida após a morte, mas creio que não exista após o terceiro arrepio. Não se pensa mais nada nessa hora, perde-se todo o orgulho, dignidade e bom senso, o que foi suficiente para chegar a bonita moça do caixa e balbuciar as últimas palavras que me restavam, no último resquício de consciencia: posso usar o banheiro?! Percebendo a gravidade da situação, a simpática e bondosa moça aponta a direção do corredor, ali onde estava o que seria para mim o paraíso. _ por ali moço!

Suando, corri mesmo sem poder correr, contraindo a saída de emergência, adentrei o banheiro já com o cinto e o botão da calça abertos, ainda há tempo de baixar a tampa da privada, mas já começou a escorrer algumas gotas, desta vez não era suor, mal me sento e puáááááá, tá-tá-tá-tá-t-a, puáááá, tá-tá, aquilo mais parecia uma recepção de membros de alguma facção da rocinha, a os policiais do BOPE. Despejo ali, todas as minhas angústias, agonias, o strogonoff do almoço, o chocolate quente da janta e, acredito eu, até a feijoada da semana passada.

Aliviado, já recuperando o fôlego e a consciência procuro o papel. Na hora do desespero, não havia observado antes de entrar que ali naquele pequeno banheiro nada havia além de uma privada e a porta. Se eu me levantasse, o que escorreria pelas minhas pernas não sairia nem com ácido-sulfúrico. Me pus a pensar e procurar na carteira algum papel que fosse dispensável, e que seria indispensável naquela agonizante hora; dinheiro, fotografias 3x4, uma nota fiscal, 2 canhotos de passagem e o telefone de uma garota que não fazia idéia de quem seria, nem o que fazia ali.

Lá se vão as passagens e o telefone da garota, ao dar descarga ainda pude observá-lo rodopiando por entre os degetos deixados ali em direção ao esgoto.

Provisóriamente limpo, pude correr ao banheiro feminino ao lado e procurar papel-higiênico. Banheiro de mulher é sempre mais organizado que de homem, e sempre há papel e espelho. Consegui trazer o papel e terminar o serviço. Aliviado, quase em êxtase, percebendo o prazer que vem depois do sacrifício, lavo as mãos com um sabonete de erva-doce que havia na pia do lado de fora, saí agradecendo a moça pela compreensão. Antes de sair ainda pude ouvir um funcionário que havia entrado no banheiro dizer: eita! Enterra que esse tá morto!

Alexandre Revoredo 10/11/2010

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