quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O músico e a Música.



Há tempos que a Música andava triste com o seu relacionamento com o músico, sentia-se trocada por todos aqueles improvisos, instrumentos, acordes e acordos que tanto tomavam o tempo do músico, fazendo-o deixar a Musica um pouco de lado, nada parecido com aquelas promessas de amor que fez o músico à Musica, tempos atrás, quando se conheceram.
Lembrou que foi numa tarde de primavera, passeando pelo parque. A Música Passava por ali, quando ouviu “As quatro estações”, tocada lindamente por um sutil Cello, aproximou-se discretamente por trás dos arbustos e foi ali entre a primavera e o verão, que a Música viu o músico pela primeira vez. A Música costumava dizer que foi “amor à primeira ouvida”!
Mas hoje era diferente. Tantas e tantas vezes a Música tentou chamar a atenção do músico. Se vestia de cigana, se insinuava no blues, se despia no tango. Mas o músico sempre envolvido com seu trabalho, a música, dizia que lhe faltava tempo pra essas coisas, e que precisava trabalhar, compor mais um disco, mais uma sinfonia. Certa vez, quando indagado se haveria tempo para ela à noite, o músico disse que teria que fazer uma serenata ao luar para um casal de amigos apaixonados. Nesse dia, a Música chorou a noite inteira, lembrando das serenatas já feitas pelo músico para a Música. Quando esta ainda lhe servia de inspiração para as mais belas canções que já ouvira. _Mas isso eram outros tempos, pensou! O músico de hoje não dá mais a devida atenção a Música, que carente de amor, morre devagar, sozinha, numa nota só.
Enquanto isso, o músico, trabalhava incansavelmente numa música que acreditava ele, seria, o seu grande sucesso! Algo como a fórmula da coca-cola da música. Pesquisou em Lp’s, vinis, cd’s e até em mp3’s. Até que um dia enfim encontrou a luz da inspiração: uma música tocada em uma só nota, cantando uma mesma frase repetidamente até o fim.
Foi um sucesso total e, depois de ter conseguido tocar sua música em rádios, boates e até mesmo na televisão, o músico ficou famoso, ganhou dinheiro, e largou de vez a Música, daí foi viver uma vida de excessos. Gastava tudo o que ganhava em coisas fúteis e ganhava em troca disso uma estranha sensação de sonho realizado. Mas logo, como toda música fútil é efêmera, surgia a necessidade de emplacar outro sucesso. E assim, sabendo da fórmula do sucesso, usava-a a seu gosto e proveito. Enquanto ainda “dominava as paradas pop”, continuava a gastar e a curtir a vida sem se preocupar com nada. A essa altura já nem se lembrava da Música que deixara pra traz.
Passado um tempo, o músico e seus sucessos já não eram mais novidade, um outro músico, este mais jovem e ousado, tinha reinventado a fórmula da música de uma nota só com frases repetidas, e inovou quando mostrou a “música de duas notas sem frase ou letra alguma”. Acabando assim com o reinado do músico.
Consumido pelo seu próprio consumo, o músico precisava trabalhar e nos seus shows, ensaiava os improvisos, quebrava acordos, errava acordes. Assim, ia perdendo sua credibilidade pouco a pouco, nos lugares onde se apresentava. Algumas vezes, um fã pedia: toca aquela de uma só nota! e o músico caía em prantos, lembrando de outrora, quando era reconhecido pelo que teria sido seu pior trabalho musical.
Depois de tempos, sem a Música e agora também sem a música, o músico resolve voltar pra casa. Terrível dúvida lhe consumia ao pensar o que poderia acontecer dali em diante, o que teria acontecido a sua Música? Será que ela ainda estaria lá? Se o receberia de braços abertos? Se não recebesse, sabia ele, a Música teria razão, afinal foi abandonada pelo músico que tanto jurara seu eterno amor a Música.
Quando chega em casa, bate a porta e ouve: Quem é? Sou eu, o seu amor e você minha verdadeira inspiração. O músico se depara com a Música, ela não era mais aquela Música jovem e primaveril que era na época que estavam juntos, mas ele sabia, ela ainda era a mais bela Música que ele já tinha visto e ouvido. Você me perdoa? Perguntou. Ela respondeu: Perdôo sim meu amor, somente com uma bela Música, o músico e a canção podem viver em harmonia! Desde de então, naquela casa só se ouvem risos, melodias e sussurros, não se sabe bem ao certo de onde vêm exatamente, se do seu violino, das suas canções ou de sua Música.

Alexandre Revoredo

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