segunda-feira, 10 de junho de 2013

Paz e Guerra

Era naquela cadeira do lado direito que gostava de sentar. Já chegava tonto, mas sempre pedia a vodka. Pura. Detestava whisky, e todo o Reino Unido. A garçonete, que não se acostumava com aquele chato, sempre ia atendê-lo. Só ela mesma pra ir. Ninguém aguentava mais. A ladainha era a mesma de sempre. Tentava ser discreto, mas o som gutural do idioma russo, sempre soava agressivo para aquela mulher simples. Ele sempre encerrava seu monólogo com um "salve a república socialista da união Soviética!", antes disso, discursava apaixonadamente sobre os grandes benefícios do socialismo. Falava português também, aliás, misturava as duas línguas com a vodka. Frases de amor (sempre em russo) às vezes eram proferidas, e direcionadas à garçonete. Ela entendia porque ele fazia questão de explicar. Era a única na cidade que ainda atendia o estranho, que sempre carregava debaixo do braço, o livro velho com letras na capa que diziam CCCP. Era tão precário o estado daquele livro, que constantemente as folhas soltavam-se em suas mãos. Para isso, andava com fita  durex, que jurava ter sido invenção dos russos. Não acreditava na NASA, tinha asco pelo american way of life, e o Sputnik e Yuri Gagarin eram seus referenciais de tecnologia e heroísmo. Vez qualquer incomodava algum casal que sentasse perto, mas como falava em russo, geralmente era ignorado. Chegou a causar um constrangimento maior quando ao sair do banheiro, segurou o braço de um cliente e perguntou: guerra ou paz? Temendo a reação, o cliente respondeu paz. Na sua mesa, um Tolstói repousava ao lado do copo. Até que houve aquela vez, bebera mais que o combinado e, num cochicho ao ouvido, agarrou no braço da garçonete! Levou um empurrão e o nome de velho tarado, em bom português. Talvez pelos ideais românticos, ou as tragédias cotidianas, deu um tapa na mulher. Foi preso, xingando as autoridades: Capitalistas! Porcos Capitalistas! Não portando documentos, teve que ficar detido. De noite, antes de morrer pálido pelos inexplicáveis cortes nos pulsos, escreveu com o próprio sangue nas paredes da cela: Почему ты так со мной?. Porque fizeste isso comigo?

Nenhum comentário:

Postar um comentário